Imprensa, livros e política no Oitocentos

Imprensa, livros e política no Oitocentos

A coletânea constitui o terceiro volume da coleção organizada por quatro historiadoras integrantes fundadoras da Sociedade de Estudos dos Oitocentos (CEO)

Os textos que constituem a obra Imprensa, livros e política no Oitocentos refletem as mais recentes e qualificadas pesquisas sobre o período do século XIX, desenvolvidas por professores e pesquisadores universitários e alunos de pós-graduação. Traduzem esforços metodológicos que aproximam a História da Literatura, demonstram a possibilidade de fazer no Brasil a História Conceitual do Político no século XIX, ou ainda descortinam novos modos de entendimento da História da ciência oitocentista a partir dos estudos sobre livros e imprensa. Os textos cumprem, assim, a função de contribuir com um entendimento maior sobre este período, priorizando a compreensão do circuito comunicacional consolidado no Rio de Janeiro, enquanto principal porto de entrada de impressos e como espaço de maior efervescência intelectual do Império do Brasil. Ademais, além de dois capítulos serem dedicados a objetos próprios ao contexto português e francês, os outros autores não deixam de correlacionar os aspectos identificados no Brasil com a dinâmica estabelecida na Europa no mesmo período, visto que essas dimensões coexistem e interagem entre si, mesmo que redundem em práticas e realidades específicas. 

Leia abaixo a apresentação do livro. O download do livro completo pode ser feito aqui.

 

Apresentação 

Tratar dos impressos, em especial dos periódicos e livros que foram produzidos e/ou circularam no Brasil durante o Oitocentos, requer cuidados especiais dos estudiosos sobre o tema. Aspectos próprios às organizações sociais em questão devem ser levados em consideração na compreensão do papel exercido por esses veículos de comunicação neste longo século XIX. Trata-se, pois, de uma grande extensão territorial, com especificidades provinciais e municipais que apontam para a existência de diversificadas dinâmicas de produção, circulação, apropriação e ressignificação de ideias, perfazendo circuitos comunicacionais cheios de nuances que envolvem o mundo da escrita e o mundo oral. Por outro lado, se debruçar sobre o período requer a percepção processual, heterogênea e não linear do lugar ocupado por esses impressos ao largo do dezenove, mesmo porque serão muitas as matizes a serem levadas em consideração para se compreender esse período histórico em toda a sua complexidade.
No entanto, não devemos deixar de lado o contexto mais amplo no tocante a esta temática, mesmo porque muitos aspectos próprios à dinâmica estabelecida na Europa, no que diz respeito aos impressos, irão influenciar na conformação dos circuitos comunicacionais no Brasil. Assim, mesmo levando em consideração as especificidades próprias ao contexto nacional, não devemos deixar de atentar para as relações de apropriação e ressignificação frente a uma dinâmica de circulação de ideias que já havia se consolidado em alguns países do ocidente europeu e que influenciariam, sobremaneira, esse dinâmica no Brasil, dada a intensificação paulatina das trocas de informação transatlânticas. Não se trata, assim, de pensar o caso brasileiro como um reflexo das práticas estabelecidas na Europa, ou como mero reprodutor de uma dinâmica cultural europeia, mas atentar para as interações dinâmicas existentes entre estes dois espaços.
Os textos apresentados nesta coletânea cumprem, neste sentido, a função de contribuir com uma compreensão maior sobre este período, priorizando a compreensão do circuito comunicacional consolidado no Rio de Janeiro, enquanto principal porto de entrada de impressos e como espaço de maior efervescência intelectual do Império do Brasil. Ademais, além de dois capítulos serem dedicados a objetos próprios ao contexto português e francês, muitos outros autores não deixam de correlacionar os aspectos identificados no Brasil com a dinâmica estabelecida na Europa no mesmo período. Afinal, apesar de atentarmos para a existência de uma realidade histórica não condicionada de forma unicista por um contexto externo, fugindo a uma interpretação eurocêntrica e determinista, não podemos descolar a realidade nacional do seu contexto maior, visto que essas dimensões coexistem e interagem entre si, mesmo que redunde em práticas e realidades específicas.
A imprensa e os livros são objetos culturais que vem chamando a atenção aos historiadores do político dos últimos tempos. No caso do Brasil, grupos espalhados por todo o território e inseridos em linhas mestras de programas de pós-graduação aprofundam o estudo apontando para as possibilidades de um melhor entendimento de objetos concernentes às esferas política, social, cultural, econômica e científica, por vezes ocultas, a partir de análises desses objetos. No que tange aos estudos do século XIX, constituem fontes que, cada vez mais, produzem empatia aos historiadores e que se têm mostrado também imprescindíveis para a sua melhor compreensão. É verdade que estudos metodológicos sobre os usos de tais suportes no métier do historiador também não faltam.
A presente obra constitui o terceiro volume da coleção organizada por quatro historiadoras inseridas em investigações filiadas aos laboratórios da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, integrantes fundadoras da Sociedade de Estudos do Oitocentos (SEO), em 2013. Como resultado do esforço de divulgação de pesquisas consistentes sobre o século XIX, o presente volume reúne de forma criteriosa os melhores trabalhos apresentados nos Simpósios da SEO na Anpuh-Rio, do ano de 2016. Os textos aqui contidos refletem as mais recentes e qualificadas pesquisas sobre o período, desenvolvidas por professores e pesquisadores universitários e alunos de pós-graduação (em nível de doutorado e mestrado). Além da rica temática, traduzem esforços metodológicos que aproximam a História da Literatura, ou demonstram a possibilidade de fazer no Brasil a História Conceitual do Político no século XIX, ou ainda descortinam novos modos de entendimento da História da ciência oitocentista a partir dos estudos sobre livros e imprensa.
Opiniões a parte, as boas coletâneas possuem o mérito de reunir em uma só obra vários artigos consonantes entre si e, portanto facilitam a divulgação de pesquisas pertinentes e atualizadas. Em sentido prático, democratizam o acesso ao conhecimento de qualidade a alunos e profissionais do ramo. A coesão entre os temas dos artigos nesse volume, consequentemente, visa à reflexão sobre os rumos da historiografia os impressos no Brasil. Portanto, seu valor, transcende as normativas dos órgãos reguladores da pesquisa no âmbito nacional.
A primeira parte desse volume é dedicada à imprensa e a segunda aos livros, dois mecanismos originais e difusores de ideias capazes de transformar, em distintas escalas, os destinos de grupos e personagens pertencentes a vários estratos sociais do Brasil oitocentista.
Na primeira seção, Avelino Romero Pereira destacou a intrínseca relação entre a expansão da cultura impressa e a cultura musical. Além de jornais e revistas portadores de suplementos musicais, havia também os periódicos que publicavam manuais técnicos e partituras. A constituição de espaços de sociabilidade por si só prazerosos, por sua vez, não era independente de premissas ditadas pelo projeto civilizatório apresentado e assumido pelos intelectuais do Brasil no século XIX.
No segundo capítulo, Joana Montaleone se dedica aos almanaques que surgiram no Brasil entre os anos de 1870 e 1900 e que, segundo a autora, alcançaram um verdadeiro sucesso editorial. Sua intenção é compreender, a partir de uma história do cotidiano, a influência que os almanaques tiveram nas conformações das ideias, dos comportamentos individuais, sociais e políticos ao longo do XIX. Montaleone apresenta um panorama sobre o surgimento dos almanaques no Brasil Império, argumentando que se por um lado eles marcaram a expansão do capitalismo brasileiro durante o governo de d. Pedro II, por outro, eles também refletiram as mudanças políticas e sociais do período, como a crescente urbanização e valorização dos espaços nas cidades.
O periodismo médico é o objeto de estudo de Monique de Siqueira Gonçalves que busca, através de uma análise cruzada de matérias publicadas por médicos alopatas e homeopatas na imprensa especializada e leiga, analisar a importância da palavra impressa na construção da autoridade médica. A autora propõe demonstrar, a partir da análise das fontes, como a imprensa foi, na segunda metade do século XIX, um palco privilegiado de disputas jurisdicionais socioprofissionais em curso, tendo em vista a crescente importância da palavra impressa na sociedade imperial. Para Gonçalves, no entanto, tratar da imprensa médica significa atentar para a complexidade dos circuitos comunicacionais do período estudado, de forma mais geral, haja vista o imbricamento entre o mundo oral e o mundo da escrita. E, assim, contribui para uma compreensão mais ampla sobre as dinâmicas de produção, circulação, apropriação e ressignificação de ideias por meio dos impressos no século XIX.
O profícuo debate sobre a construção da opinião pública no Brasil do longo século XIX foi o tema do artigo de Vanessa da Silva Albuquerque. A autora desenvolveu seu argumento partir das atuações do Barão de Rio Branco na questão do Acre e adotou procedimento minucioso ao comentar as posturas dos jornais da situação e da oposição na defesa dos limites entre Acre e Bolívia. Em sentido amplo, a imprensa apresentou-se, de forma nítida, como meio indispensável para a construção da política exterior brasileira.
Numa difícil tarefa de perscrutar novas notas da identidade religiosa brasileira na ainda pouco pesquisada década de 1860, e também em 1870, Pedro Henrique Cavalcanti de Medeiros interessou-se pela divulgação das ideias religiosas de teor protestante através do Jornal A Imprensa Evangélica. O debate via imprensa abordava temas ainda pouco conhecidos como, por exemplo, a atuação das sociedades liberais no interior dos grupos cristãos (católico e protestante), bem como suas implicações políticas e consequências práticas.
Regredindo à década de 1850, Everton Viera Barbosa demonstrou a presença de efetivas estratégias femininas por meio de editoras-mulheres na Corte brasileira. O caso exemplar do Jornal das Senhoras lança luz sobre os mecanismos de venda, organização do conteúdo do jornal e às tais “estratégias de marketing” desenvolvidas para atrair o público feminino. Ainda que com o objetivo de promover a melhoria moral de suas leitoras, o jornal não poupava esforços para acrescentar informação para que as mulheres se colocassem de forma mais visível numa sociedade patriarcal. O fato das redatoras serem mulheres, por si só, acrescenta um matiz importantíssimo para o entendimento histórico do período.
Ainda no campo das estratégias editoriais, Priscila Salvaia aproximou da História da Teoria Literária com maestria, ao tratar do conteúdo e da materialidade do jornal o Globo em diferentes temporalidades. A análise do discurso, as considerações sobre a forma e o suporte contribuem para o debate sobre os modos como o jornal atraía seu público e divulgava seus pressupostos ideológicos. Como pano de fundo, o artigo faz o leitor se interrogar sobre mudanças nos espaços de circulação das ideias.
A segunda parte do livro é aberta pelo texto escrito a quatro mãos por Gladys Ribeiro e Beatriz Piva Momesso, sendo o resultado de estudos atuais acerca do intercâmbio de ideias políticas entre intelectuais do Segundo Reinado, eles mesmos integrantes de partidos e de esferas do governo imperial. A pesquisa apoiada nos impressos e manuscritos do jornalista Justiniano José da Rocha e do Senador Nabuco de Araújo aponta para o nascimento de uma nova identidade política ao final da Conciliação (1853-1857), capaz de romper a dicotomia historiográfica conservador-liberal e denota a existência de clivagens do liberalismo no Brasil.
Fazendo uso de livros e autores da época, Samuel Albuquerque debruçou-se sobre os escritos biográficos de Aurélia Rolemberg, uma senhora aristocrata do Oitocentos. Como resultado da empreitada reconstruiu habilmente as paisagens rurais e urbanas e as redes de sociabilidade do Rio de Janeiro à época.
O projeto inicial dos reis Bourbons para ampliar o campo de atuação da marinha francesa incluiu o desenvolvimento de acordos com o conhecido editor Arthur Bertrand para a publicação de encadernações de luxo dos relatos de viagens científicas a partir de 1825. Daniel Dutra Coelho Braga tratou do processo de publicação do relato de viagem do oficial Louis Duperrey. Uma pergunta permeia a escrita do artigo: quais interesses, redes e tensões internas moviam a publicação e circulação dessas edições?
Já dizia Antônio Cândido que pelos livros que lê se conhece um homem. Essa foi a intenção de Maria do Rosário Alves Moreira da Conceição ao estudar a biblioteca de Almeida Garret. A autora considerou o cânone de leitura não só como instrumento para desvendar a formação de um homem de letras do Oitocentos, como também para analisar suas motivações como homem público, na medida que a escolha de livros com determinados temas em determinados períodos permite pensar sobre contextos políticos e mecanismos de apropriação das ideias.
Por fim, o tema da censura no século XIX não poderia ficar de fora dessa coletânea, por isso Claúdio Corrêa encarregou-se de analisar a trajetória dos mecanismos de controle das notícias durante o Reinado de Dom João V no Brasil. Valendo-se da documentação do Fundo da Mesa do Desembargo do Paço, discutiu além das instituições envolvidas, as influências e opiniões sobre a expansão das ideias iluministas francesas na Corte brasileira.
Para os interessados nos novos temas e métodos da História Política e Cultural os melhores votos de uma boa leitura, com a certeza de que a inspiração do autor brotará depois dessa experiência na qualidade de leitor dessa obra.


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