Para João Roberto Martins Filho, professor aposentado da Universidade Federal de São Carlos, militares do governo ‘estão unidos em torno do mesmo projeto de poder’
As ações do presidente Jair Bolsonaro são imprevisíveis e desastrosas, mas, no caso da divulgação do vídeo com a convocatória para uma manifestação contra o Congresso Nacional, há o agravante de o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ter atacado o Legislativo como demonstrado em vazamento divulgado pelo jornal O Globo.
A análise é do sociólogo João Roberto Martins Filho, professor titular aposentado da Ufscar e autor do livro O Palácio e a Caserna – A dinâmica militar das crises políticas na ditadura (Alameda, 2019).
Em entrevista a Opera Mundi, Martins afirmou que “as atitudes de Bolsonaro são em geral intempestivas, e os membros do governo ficam sabendo só depois do estrago feito. Mas no caso da divulgação pelo presidente de vídeo convocando manifestações contra o Congresso em grupo de WhatsApp há um agravante. Foi o general Heleno quem desencadeou as últimas agressões contra o Congresso com o célebre foda-se”.
Para o sociólogo, apesar de “Bolsonaro ser imprevisível, incontrolável, incapaz e desastroso como chefe de Estado”, o risco de uma ação coordenada entre militares e governo contra o Legislativo “é difícil saber”. “Isso seria o golpe que tanto se teme. Creio que preferem agir nos bastidores”, diz.
Sobre desentendimentos entre os militares que compõem o governo, Martins acredita a união entre os generais em torno de um projeto continua, embora nessa caso alguns setores tenham sido “atropelados” pelas falas de Bolsonaro e Heleno.
“Acredito que o general [Luiz Eduardo] Ramos, um general da ativa que faz a interlocução com o Congresso, foi nesse caso específico atropelado pela dupla Bolsonaro-Heleno. Mas creio que estão unidos em torno do mesmo projeto de poder. Do contrário, por que ficariam num governo tão irracional?”, afirma o sociólogo.
Juristas e políticos condenam Bolsonaro
A reação à atitude do presidente brasileiro envolveu personalidades do campo político da esquerda e da direita brasileiros, e também de advogados e juristas.
Para o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, a ação de Bolsonaro faz com que seja “urgente que o Congresso Nacional, as instituições e a sociedade se posicionem diante de mais esse ataque para defender a democracia”.
O ex-presidente ainda disse que “Bolsonaro nunca combinou com democracia. É um falso patriota que entrega nossa soberania aos EUA e condena o povo à pobreza. Um falso moralista que acoberta o Queiroz e outros corruptos e criminosos”.
Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, disse que, “se confirmada” a divulgação da convocação para o ato contra o Congresso feita pelo presidente, Bolsonaro “não está à altura do cargo”. “[A atitude de Bolsonaro revela] a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce e cujo ato de inequívoca hostilidade aos demais Poderes da República traduz gesto de ominoso desapreço e de inaceitável degradação do princípio democrático!”, disse o ministro em mensagem ao jornal Folha de São Paulo.
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) divulgou nota condenando a mensagem encaminhada pelo presidente Jair Bolsonaro. De acordo com os juristas, o ato representa um atentado contra a Constituição e o livre exercício dos poderes constituídos, o que configura crime de responsabilidade conforme previsto no artigo 85 da Carta.
A ABJD diz entender que a “investida contra as instituições sinaliza um golpe contra a democracia de nosso país, indicando uma ruptura, e requer, de toda a sociedade, uma posição firme que exija respeito ao Poder Legislativo e todos os seus membros”.